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quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Quando a ciência econômica decide conhecer o mundo real

Angus Deaton, professor nos Estados Unidos, é o prémio Nobel da
Economia deste ano, reconhecido por ter decidido estudar a pobreza, o
consumo e a desigualdade sem olhar apenas para os dados agregados.

Em 2013, no mesmo ano em que Thomas Piketty publicava em França o seu
bestseller sobre desigualdade, Capital no Século XXI, outro livro
sobre o mesmo tema chegava às bancas nos Estados Unidos, com muito
menor impacto mediático. Chamava-se The Great Escape (A grande fuga) e
era sobre a capacidade de os milhões de pessoas no mundo a viverem em
pobreza extrema poderem fugir dessa situação. O seu autor era o
economista britânico Angus Deaton. Ontem, Deaton, não Piketty, recebeu
o Prémio Nobel da Economia.

Não terá sido apenas por causa deste livro que a mais conhecida
distinção na ciência económica ficou este ano nas mãos deste
economista de 69 anos, professor na Universidade Princeton nos Estados
Unidos. A Real Academia Sueca das Ciências explicou a sua decisão com
os contributos dados por Angus Deaton para a "análise do consumo,
pobreza e bem-estar".

Em termos técnicos, os dois principais avanços realizados pelo
economista ocorreram na primeira metade da sua carreira. O primeiro, e
talvez o mais importante, foi o desenvolvimento de um "sistema de
procura" que ajudasse a perceber de uma forma mais próxima da
realidade como é que, por exemplo, os níveis de consumo de um
determinado bem se alteram perante variações de preços ou de impostos.
Os vários factores que influenciam o consumo de um bem tornam esta
questão bastante mais complexa do que uma simples análise entre o
preço e a procura e o sistema criado por Deaton foi um primeiro passo,
que depois foi desenvolvido por outros economistas.

Outro avanço foi o estudo daquilo que acabou por ficar conhecido como
o "paradoxo de Deaton" e que consiste no facto observável de que o
consumo apresenta variações surpreendentemente suaves perante a
iminência de choques permanentes no rendimento.

Estes dois contributos, embora muito importantes para a carreira de
economista de Deaton, não foram aquilo que o tornaram mais conhecido.
O que o distingue de todos os outros é a ideia central, presente em
todos os seus trabalhos, de que é preciso olhar muito atentamente e em
detalhe para os dados estatísticos disponíveis para conseguir perceber
como é que as pessoas se comportam e reagem a choques.

Não basta olhar para dados agregados ou para modelos, é preciso ir ao
detalhe para compreender a realidade. "Para desenhar uma política
económica que promova o bem-estar e reduza a pobreza, primeiro temos
de compreender as escolhas de consumo individuais. E mais do que
ninguém Angus Deaton aumentou essa compreensão", disse a Academia na
sua apresentação do prémio.

No capítulo do consumo, aquele a que dedicou uma maior parte do seu
trabalho, o que Angus Deaton fez foi, sobretudo, estabelecer ligações
claras entre o rendimento e o consumo e entre as escolhas de consumo
individuais e os resultados agregados. Ao fazê-lo, criou instrumentos
que podem ser usados por quem tem de tomar as decisões de política
económica.

Quando um governo, por exemplo, decide aumentar a taxa do IVA de um
determinado bem, a medição do impacto que essa medida poderá ter sobre
o consumo não pode assumir que todas as pessoas se comportam de forma
igual perante choques no seu rendimento ou nos preços. Também não se
pode assumir que todas as pessoas são afectadas pela medida de forma
igual. Para responder a estas questões é preciso saber como é que
factores como o nível de rendimento ou a idade afectam as decisões de
consumo.

O trabalho de Angus Deaton na medição dos níveis de bem-estar e de
pobreza nos países desenvolvidos também constituiu um contributo
importante para a ciência económica. Mais uma vez, o economista não se
satisfez com dados agregados que tratam todas as pessoas de forma
igual e procurou informação mais pormenorizada.

Para perceber exactamente qual o nível de pobreza nos países em
desenvolvimento, Deaton tentou levar em conta, por exemplo, os
diferentes níveis de preços que se aplicam em cada local, os
diferentes tipos de bens que são consumidos e o facto de muitas vezes
não ser possível analisar as diferenças de preço e qualidade dos bens
consumidos.

No seu livro The Great Escape, Angus Deaton apresenta, com o recurso a
muitos dados e informação, uma visão relativamente optimista da
evolução da pobreza extrema à escala mundial, mas nunca deixa de
alertar para os riscos que existem de as desigualdades se
auto-alimentarem e garantirem a sua perpetuação.

Nas primeiras declarações públicas depois de receber o prémio, o
economista, que se disse "maravilhado e surpreso" por ter sido
escolhido pela Academia, afirmou que "se registou nas últimas décadas
uma impressionante diminuição" da pobreza extrema, prevendo que essa
tendência positiva se mantenha no futuro. "Mas não quero parecer
excessivamente optimista porque ainda há muita pobreza no mundo. O
problema ainda não está resolvido", disse.

Angus Deaton era um dos nomes frequentemente apontados ao longo dos
últimos como um candidato a receber o prémio. As apostas colocavam-no
normalmente acompanhado por outro economista com trabalho relevante no
estudo da desigualdade e da pobreza: o também britânico Anthony
Atkinson. Deaton foi escolhido, mas de forma isolada.


Macroeconomia é a área de investigação mais premiada

Tem o peso e o significado de um Nobel, é o último dos seis galardões
a ser conhecido todos os anos, é atribuído em memória de Alfred Nobel,
mas o único que não é formalmente um Nobel. O galardão que há mais de
40 anos premeia investigadores em ciências económicas - comummente
conhecido como Nobel da Economia, mas formalmente designado Prémio de
Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel - já reconheceu mais de
sete dezenas de investigadores.

Desde 1969, o primeiro ano em que o banco central da Suécia (o
Sveriges Riksbank) atribui o prémio, já foram laureadas 76 pessoas,
porque muitos dos prémios reconheceram dois e três economistas no
mesmo ano. Dos 47 prémios atribuídos, 24 são galardões individuais,
havendo 17 partilhados por dois investigadores e outros seis
atribuídos a três. Só uma vez foi escolhida uma mulher - em 2009, ao
ser premiada Elinor Ostrom.

A origem do prémio vem de uma doação feita em 1968 pelo banco central
da Suécia à Fundação Nobel e foi até olhada com algumas reticências
pelos herdeiros de Alfred Nobel pelo facto de a Economia não ser uma
ciência exacta.

Já foram distinguidas investigações que vão da econometria à
governação económica, teoria dos jogos, passando pelo crescimento
económico, história económica, finanças públicas ou psicologia
económica. Mas a área de pesquisa mais distinguida é a macroeconomia,
com nove galardões. O primeiro foi atribuído em 1974, a Gunnar Myrdal,
e o mais recente a Edmund S. Phelps em 2006.

Numa súmula de factos e trivialidades publicada no site do Nobel, a
Academia recorda que o laureado mais novo, Kenneth J. Arrow, tinha 51
anos quando foi escolhido, em 1972. O mais velho foi Leonid Hurwicz,
laureado em 2007 aos 90 anos (morreu no ano seguinte). Segundo as
contas da Academia, e excluindo ainda o laureado deste ano, a média de
idades dos premiados é de 67 anos, a mais alta entre as seis
categorias de Nobel, cuja média global está nos 59 anos.

No universo dos vários prémios Nobel, já foram galardoadas pessoas da
mesma família, em áreas do saber distintas. E aconteceu logo nos
primeiros anos do Nobel da Economia. Jan Tinbergen, distinguido em
Ciências Económicas em 1969, veria o seu irmão Nikolaas Tinbergen ser
distinguido em 1973 com o Nobel da Medicina. Há mais um cruzamento
familiar: Gunnar Myrdal foi galardoado 1974 com o prémio da Economia e
a sua mulher, Alva Myrdal, receberia em 1982 o Nobel da Paz.

Nunca foi entregue um Nobel da Economia a título póstumo. As regras da
Fundação Nobel - que o Sveriges Riksbank acompanha - impedem desde
1974 que assim seja, salvo quando a pessoa morre depois do anúncio do
vencedor, que é conhecido antes da cerimónia. Antes desta regra, só
aconteceu com um Nobel da Literatura (Erik Axel Karlfeldt, em 1931) e
com um Nobel da Paz (Dag Hammarskjöld, em 1961).


Jornalinho: 13 Outubro 2015
Por Sérgio Aníbal


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