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sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A síndrome da ameaça inexistente

Estrangeiros que nos visitam e que se esforçam por compreender a cultura nacional impressionam-se com o que chamam de "síndrome das ameaças inexistentes". Acham estranho que a mídia brasileira e a classe política se preocupem tanto com as ameaças do neoliberalismo e do globalismo. Recente livro francês descreveu as mudanças trazidas por ambos os movimentos como "l'horreur économique".
O fato de que esse livro, de nível intelectual comparável aos manifestos da UNE, se transformou em best-seller documenta a irreparável decadência da cultura francesa.
A palavra mágica que une numa postura antimudancista elementos tão díspares como os teólogos da libertação, o bloco de oposição das esquerdas e a burguesia nacional protecionista é uma só: "exclusão". O globalismo seria responsável pela "exclusão" externa (entre países), e o neoliberalismo, pela "exclusão" interna (entre pessoas).
Segundo esses neoconservadores, a globalização, trazida pela vitória da economia de mercado sobre a planificação socialista, consolidaria a vantagem das economias industriais tecnologicamente avançadas. Seria o império das multinacionais movidas pela lógica do lucro.
Sem as defesas criadas pelo governo intervencionista e pelo protecionismo, os países subdesenvolvidos chafurdariam cada vez mais no subdesenvolvimento relativo. Paralelamente, o neoliberalismo, pregando a redução do tamanho do Estado e de seu intervencionismo assistencialista, tenderia a agravar a pobreza relativa, isto é, o fosso entre ricos e pobres.
Mesmo que esses neoconservadores tivessem razão, surge uma primeira indagação. Seria a economia brasileira uma economia globalizada ou neoliberal?
A resposta é certamente negativa. Apesar da decantada abertura econômica, é ainda baixo nosso grau de globalização. Os dois melhores critérios de aferição são (a) a participação do comércio internacional (exportações mais importações) no PIB; (b) o influxo de investimentos estrangeiros diretos (que se integram à economia do país).
Sob o primeiro critério, a economia brasileira é bastante fechada. Sendo nossa economia a 9ª do mundo em dimensão do PIB, nosso comércio exterior nos relega para a 24ª posição. Representando hoje menos que 1% do comércio mundial, nossa abertura, em termos relativos, se tornou uma fechadura pois já chegamos a alcançar no passado uma participação de 1,3%.
Como recipiente de investimentos diretos, o Brasil progrediu muito após o Plano Real e as privatizações, mas partindo de níveis muito baixos. Somos hoje apenas o sexto recipiente de capitais diretos estrangeiros, abaixo dos EUA, China, Indonésia, México e Malásia. Em termos de participação no PIB, ficamos também abaixo do Chile e Argentina.
Estamos certamente caminhando na direção da globalização, mas, se isso fosse uma ameaça, seria uma ameaça distante.
O mesmo ocorre com o neoliberalismo. Todas as medições internacionais comparativas caracterizam o Brasil como um país em tímido e lento processo de liberalização, mas ainda fortemente dirigista e intervencionista. Isso, sob vários critérios: a) participação do dispêndio governamental no PIB; b) taxa de extração fiscal; c) regulamentação trabalhista e previdenciária; d) inconversibilidade da moeda e controles cambiais.
O questionamento é, entretanto, mais fundamental. Independentemente de medir o grau efetivo de liberalização e globalização, estão erradas as premissas básicas dos neoconservadores (que se unem na oposição ao governo neoliberal): o globalismo e o neoliberalismo, longe de serem fatores de exclusão, são fatores de inclusão.
Certamente, foi a globalização de mercados que permitiu o enorme surto dos asiáticos, incorporando todo um subcontinente ao ecúmeno industrial. Será que os "tigres asiáticos", na década dos 80, e a China continental, nesta década, teriam tido sucesso sem os dois instrumentos de globalização: o influxo de capitais (sobretudo japoneses) e a abertura de mercados (sobretudo o norte-americano)?
Na realidade, nunca tantos países, em tão curto tempo, passaram de economias primitivas a economias industrialmente sofisticadas como no último decênio, marcado precisamente pelo colapso do socialismo e por acelerada globalização.
O mesmo se pode dizer do neoliberalismo. Se essa palavra significa alguma coisa, é certamente a ampliação da área de aplicação da economia de mercado, na qual este, e não a autoridade central, governa as relações de produção.
Mesmo nos países asiáticos, onde tradicionalmente o dirigismo governamental é maior que nas economias ocidentais clássicas, o fator dominante nas últimas décadas é a competição no mercado nacional e internacional. O determinante dinâmico do progresso foi a abertura competitiva, e não o dirigismo governamental.
E quais os resultados? Nunca, em nenhuma época da história humana, tantas pessoas escaparam da pobreza como após o colapso mundial do socialismo. Por um dos paradoxos da história, o egoísmo capitalista foi mais eficaz que o altruísmo socialista na cura da pobreza.
O caso mais dramático é o da China continental, onde coexistem, lado a lado, áreas socialistas de extrema pobreza e áreas semicapitalistas, onde a pobreza absoluta já foi erradicada. Medida pelo critério, admitidamente modesto, de US$ 1/dia por habitante, a pobreza absoluta praticamente desapareceu nos país "não socialistas" da Ásia.
O fenômeno é também visível no Brasil. O abandono de fórmulas heterodoxas (intervencionistas) de controle da inflação, em favor do Plano Real (que não recorreu a congelamentos e confiscos), resultou numa substancial redução da pobreza absoluta. Com uma modesta guinada neoliberal, estabilizaram-se os preços da cesta básica, o que permitiu aos pobres acesso ao frango e a alguns bens duráveis de consumo. A julgar pelo otimismo presidencial, sorrisos desdentados começam a ser substituídos por dentaduras!...
Terá assim a política "neoliberal" aumentado ou diminuído o número de "excluídos"? A grande verdade é que o maior fator de exclusão no país não é o neoliberalismo, e sim o peso da legislação fiscal, trabalhista e previdenciária, que empurra 57% da força de trabalho para a economia informal...
Argumenta-se que o alto desemprego europeu indica as consequências negativas da globalização. Mas a que atribuir essa exclusão dos desempregados? Certamente, não a excessos do neoliberalismo, pois os EUA, líderes na liberalização e na globalização, têm hoje uma das mais baixas taxas de desemprego de sua história. E alguns países europeus, que fizeram reformas liberalizantes, como o Reino Unido e Holanda, têm desemprego inferior à média européia, sendo ao mesmo tempo intensamente globalizados.
É também prematuro acusar a atual revolução tecnológica pelo desemprego. EUA e Japão têm mais intensidade tecnológica que a Europa, com menor grau de desemprego.
No Brasil, falamos muito do "déficit gêmeo" -o fiscal e o cambial.
À luz da experiência mundial, o globalismo e o neoliberalismo, que se expandiram após o colapso do socialismo, são muito mais includentes que excludentes. O que me leva a adicionar às minhas antigas leis de Kafka duas novas leis, que eu chamaria de "vingança dos liberais".
A primeira, que representa uma vingança de Adam Smith contra Karl Marx, poderia ser assim formulada:
"O grau de pobreza de um país é diretamente proporcional à intensidade de suas instituições socialistas".
A segunda, que representa a vingança de Hayek, o liberal austríaco contra os antiliberais, pode assim ser formulada:
"A boa distribuição de renda é inversamente proporcional ao número de burocratas e políticos empenhados em redistribuir as receitas do Estado".

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