No exercício de seu trabalho, os
economistas operam cotidianamente com modelos matemáticos simplificados, os quais, por sua
vez, se assentam sobre hipóteses inevitavelmente reducionistas.
É a mesma lógica que leva os cartógrafos
a não trabalhar com mapas na escala 1:1, cuja inutilidade se tornou o assunto central de um
famoso conto de Jorge Luis Borges, uma parábola sobre o método científico.
Porém, a escolha
criteriosa, ou talvez maliciosa, dessas hipóteses simplificadoras, pode nos levar às mais recônditas
possibilidades.
velha piada do economista numa
ilha deserta, esfomeado e com uma lata de sardinha, e que “supõe”
que exista um abridor e assim
mata a sua fome, no confuso ambiente do mercado financeiro o futuro
supõe-se conhecido. O
economista, como o mercado, vive num mundo construído a partir de
cenários e hipóteses,
invariavelmente precários e irreais, ou mesmo levianos e adulterados, mas que
valem como fatos até que se prove
o contrário, ou que histórias melhores estejam disponíveis. Afinal
de contas, tudo o que se faz
no mercado tem a ver com previsões sobre o futuro, sem as quais nada
funciona.
Em absoluto contraste com as
previsões feitas em horóscopos, nas cartas de tarô e na copromancia, conforme
estudada por Rubem Fonseca, as percepções sobre o futuro nascidas e
utilizadas no mercado financeiro
resultam em movimentações em dinheiro, ou seja, em apostas. E
estas são proporcionais ao tamanho
do cacife, e também à convicção quanto à magnitude e à direção
do movimento. São, portanto, previsões
levadas a sério; se estiverem erradas o investidor pode
perder muito dinheiro. Esse tipo
de previsão difere da mera conjectura inocente e inconsequente que
qualquer pessoa possui o direito
de fazer. Se os videntes e astrólogos ganhassem dinheiro com seus
acertos, mas também perdessem
com seus erros , provavelmente prefeririam não correr o risco e
manter-se no terreno ameno das
profecias vagas, cuja utilidade reside em atender à ansiedade das
pessoas com o desconhecido.
No mercado financeiro, as ideias
sobre o futuro trazem consequências econômicas bastante diretas para os preços
das coisas ali transacionadas, como em um cabo de guerra entre comprados e vendidos,
uma batalha sem fim, segundo o velho clichê, entre o medo e a cobiça. É nesse
sentido que se diz que o preço é uma síntese dessas concepções sobre o
futuro, ainda que de forma efêmera, emocional ou falsificada.
Muitos tratam o fenômeno como
representativo da eficiência dos mercados em processar
informações, mas é preciso
cuidado para não exagerar essa clarividência implícita no preço, pois
sempre há bastante ruído na
mistura. Mesmo com essa ressalva, o mercado revela o pensamento
médio da coletividade sobre o
futuro. O jornalista Ibrahim Sued, tempos atrás, estabeleceu que, em
sociedade, tudo se sabe; já no
mercado, que também possui essa sabedoria, o que se sabe sempre se
transforma em compra ou venda de
algum ativo, com impacto determinante sobre o preço. Portanto,
segue-se que toda informação
relevante, e também a irrelevante, a privilegiada e a estapafúrdia,
estará refletida no preço,
o qual, por conta disso, representa uma síntese de tudo o que se sabe sobre
o futuro, incluindo as influências
de quem sabe demais. Por isso, quando um neófito expõe uma
conjectura ou uma teoria
conspiratória para uma raposa, tenderá a ouvir o bordão: “Já está no
preço.”
In As leis secretas da economia
Revisitando Roberto Campos e as leis do Kafka, by Gustavo H.B. Franco,
páginas 14 e 15.
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